O desenvolvimento tecnológico tem trazido como efeito colateral um desconforto do ser humano que, em períodos cada vez menores, sente mudar os paradigmas que norteiam seu modo de vida. Não é fácil adaptar-se continuamente às novas tecnologias e às mudanças de comportamento que elas geram. Podemos, exemplificativamente, referir facilidade de locomoção e imigração; o acompanhamento instantâneo de fatos ocorridos no mundo todo; a perda cada vez maior da intimidade; a perda de valores, de referência, etc, etc.
A intermediação entre lógico, compreensível, desejado e a torrente de novidades a que somos submetidos no faz perdidos num mundo desconhecido, que precisa ser descoberto e interpretado constantemente. A razão quase sempre não dá conta de descobrir e reinterpretar permanentemente. Esta dificuldade faz com que a sociedade busque uma forma mínima de conforto à existência, requerendo regras estáveis para poder conviver com aquilo que não domina.
Talvez isto explique o fenômeno que em matizes diferentes está acontecendo politicamente no mundo, uma nítida tendência das populações, paradoxalmente, através de instrumentos democráticos como o voto, optarem por regimes de cunho autoritário e de força.
As pessoas, individualmente ou em grupos, não estão conseguindo compreender e se adaptar ao turbilhão em que se transformou a vida em sociedade. Desde o desenvolvimento tecnológico que altera as formas de conhecimento e exige constante adaptação (esgotando o indivíduo) até a moral e costumes.
Fazendo uma distinção singela entre ética e moral, a ética é atemporal, é um imperativo, em tese, que se aplica a qualquer pessoa, em qualquer lugar ou época, enquanto a moral é circunstancial, variável conforme a época e o lugar. Aquilo que é imoral no Oriente pode não ser no Ocidente, ou mesmo dentro de um mesmo país, a moral (entendida como costume) pode variar internamente.
A instantaneidade e universalidade das notícias trazem junto difusão de costumes diferentes. Já existem os "influenciadores digitais", que outra coisa não são do que propagadores de modas e costumes, que geralmente são diferentes daqueles que estamos seguindo. Mesmo havendo resistência, as influências são sentidas e jogam o indivíduo no dilema de "atualizar" sua mente, ou ficar atrelado ao seu modo de viver. Indubitavelmente é uma situação de desassossego, de perplexidade.
A impossibilidade de fixar novos princípios morais em espaços de tempo menores faz surgir a necessidade de buscar uma autoridade superior que determine o que é certo ou errado, papel que a religião desempenhou até meados do século passado e, agora, parece novamente exercer este papel, ou seja, a responsabilidade por determinar quais hábitos individuais e sociais são positivos ou negativos. Talvez isto explique o crescimento das igrejas neopentecostais.
Sendo a política, nos regimes democráticos, a representação daquilo que a maioria do povo pensa ou idealiza, não surpreende que esta angústia existencial por uma autoridade que assuma a responsabilidade de fixar o certo e o errado, com viés autoritário, termine sendo a desejada por uma maioria que entende ser mais cômodo não precisar constantemente atualizar sua mente, deixando isto a cargo de uma autoridade superior, que assuma esta responsabilidade.
O paradoxo disto tudo é que podemos estar democraticamente caminhando no sentido de abrir mão da liberdade de pensar e agir, optando por entregar-se, como se fôssemos alienados mentais, à responsabilidade de um curador que pensará por todos e nos guiará como um rebanho submisso (talvez ao precipício).